08/03/2015

"Sejamos todos feministas", de Chimamanda Adichie

Motivado pelo Dia Internacional da Mulher, ontem, antes de dormir, li Sejamos todos feministas, da nigeriana Chimamanda Adichie, e um ensaio de Virginia Woolf, "Mulheres e ficção", inserido na coletânea intitulada O valor do riso, publicação da Cosac Naify. Acordei há pouco, alimentei Homero, que aguarda paciente esse momento, todos os dias, deitado sobre meus pés na cama, tomei um espresso para neutralizar a melatonina circulante em minhas veias e sentei aqui para atualizar o Palavra de Literatura com um apanhado dos dois textos mencionados. Agora tratarei do primeiro texto e deixarei o segundo para uma postagem à parte.



O livro de Chimamanda Adichie é resultado de uma palestra do projeto TED Talks, em que pessoas reconhecidas por algum conhecimento são convidadas a falar, em um tempo curto, sobre um assunto específico, em linguagem acessível e interessante para o público geral. Como se poderia supor, o livro resultante dessa palestra com trinta minutos de duração é pequenino. Já o vi à venda na Livraria Cultura, mas a versão que li foi baixada da Amazon gratuitamente. O nome da autora começou a pipocar ante meus olhos com uma frequência fora do comum, de modo que incluíra seu romance Hibisco roxo em minha meta de leitura deste ano, quando deparei com Sejamos todos feministas. Já estava em meu Kindle havia tempo, e a leitura, como já se sabe, ocorreu ontem.
Adichie relata, em tom reflexivo mas leve, com a fluidez que caracteriza a oralidade, como as questões de gênero foram emergindo em sua experiência de mulher em sua Nigéria natal. Conta, por exemplo, que não tinha liberdade de sair desacompanhada, sem ser objeto de olhares reprovadores; que, em um restaurante, sempre o homem que a acompanhasse era cumprimentado pelo garçom, que não faria o mesmo com ela, como se fosse invisível; e que, certa feita, deu uma gorjeta a um guardador de carros, que se virou para o homem que a acompanhava e agradeceu, como se, em última instância, embora o gesto partisse dela, o dinheiro fosse dele. Outro caso ilustrativo a que a escritora recorreu, em sua fala, foi o da escolha da roupa que usaria na primeira aula que deu. Adichie pontua que não é o tipo de problema que assalta um homem em ocasiões especiais, mas ela preocupou-se em não se vestir de uma forma que ressaltasse sua feminilidade, porque isso poderia prejudicar a credibilidade de seu discurso.


Na parte reflexiva do texto, Chimamanda Adichie aponta a educação como fonte das injustiças de gênero que ensejariam casos como os que ela relatou. Os homens seriam educados para assumir posições de poder e para associar a estas sua masculinidade, de maneira que não mandar, não ter dinheiro, nem ser tratado como o dono da verdade seria equivalente a emascular-se, com toda a profunda carga emocional e a vergonha decorrentes dessa suposta perda genital. Simetricamente, pois o gênero é tratado como sistema binário, as mulheres são educadas para ocupar um lugar de submissão, para agir de forma a não ameaçar a masculinidade do pai, dos irmãos, dos maridos, o que equivaleria a respeitar-lhes o sagrado poder, supostamente exclusivo dos homens. Daí a mulher não poder trabalhar; se trabalhar, não ganhar mais do que o marido; se ganhar mais do que o marido, ter um milhão de cuidados para não ferir-lhe as susceptibilidades; se, mesmo assim, o homem sentir-se emasculado, ela deveria culpar-se e martirizar-se como responsável pelo malogro da relação.


Não havia como Sejamos todos feministas aprofundar-se em teorias e em casos históricos para promover seus argumentos. Trata-se mais de um depoimento pessoal singular, com pinceladas reflexivas. Para um livro com sua extensão, exercerá muito bem a função de divulgador de questões de gênero e da necessidade de reeducar o mundo para garantir liberdade de realização humana independentemente de identidade de gênero. É um ótimo texto, por exemplo, para suscitar o debate. Minha nota: 3,5 estrelas.

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